
O melhor texto de publicidade que eu já vi era assim: uma foto colorida de uma garrafa de uísque Chivas Regal e, embaixo, uma única frase: "O Chivas Regal dos uísques."
O anúncio é americano. Em algum anuário de propaganda, desses que agente folheia na agência em busca de idéias originais, deve aparecer o nome do autor do texto. No dia em que eu descobrir quem é, mando um telegrama com uma única palavra, um palavrão. A inveja é a forma mais sincera de admiração.
Duvido que o autor da frase receba o telegrama. O cara que escreve um anúncio assim não recebe mais telegramas. Não atende mais nem a porta. Não se mexe do lugar. Não lê mais nada, não vê televisão, não vai ao cinema e fala somente o indispensável. Passa o dia sentado, de pernas cruzadas, com o olhar perdido. Alimenta-se de coisas vagamente brancas e bebe champanha "brut" em copo tulipa. Com um leve sorriso nos cantos da boca.
Foi o sorriso que finalmente levou sua mulher a pedir o divórcio. Ela agüentou tudo. O silêncio, a indiferença, as pernas cruzadas, tudo. Mas o sorriso foi demais.
- Você não vai mais trabalhar?
Sorriso.
- As crianças precisam de sapatos novos. O aluguel do apartamento está atrasado. Meu analista também...
Sorriso.
- Sabe o que estão dizendo na agência? Que o seu texto para o Chivas Regal foi pura sorte, que você não faz outro igual. Você precisa ir lá mostar para eles. Saia dessa poltrona. Faça alguma coisa.
Ele fez alguma coisa: descruzou as pernas e cruzou outra vez. Sorrindo.
Contam que a mesma coisa aconteceu com o primeiro homem a esclar o Everest. Para começar, quando chegou ao topo, no cume da montanha mais alta da Terra, ele tirou um banquinho da sua mochila, colocou-o exatamente no pico do Everest e subiu em cima dele. O guia nativo que o acompanhava, e que não tinha banquinho, não entendeu nada. Se entendesse, estaria entendendo o homem branco e toda a história do ocidente. De volta à civilização, o homem que conquistou o Everest passou meses sem falar com ninguém e sem olhar fixamente para nada. Se tinha mulher e filhos, esqueceu. E tinha um leve sorriso os cantos da boca.
Você precisa entender que quem escreve para publicidade está sempre atrás da frase definitiva. Não importa se for para um uísque de luxo ou uma liquidação de varejo. Importa é a frase. Ela precisa dizer tudo o que há para dizer sobre qualquer coisa, num decassílabo ou menos. Tão perfeita que nada pode segui-la, salvo o silêncio e a reclusão. Você atingiu o seu próprio pico.
O autor da frase certamente continua sentado até hoje. Levanta-se só para ir ao banheiro, trocar de roupa e telefonar para fornecedores de enlatados e champanha. Os que ainda lhe dão crédito. Uma faxineira vem uma vez por semana limpar o apartamento. Há pouco para limpar. Ele não toca em nada. Os amigos preocupam-se com ele. Ele responde a todos com monossílabos e vagos gestos com o copo tulipa.
Só tem duas coisas a fazer, passada a euforia das alturas. Uma é voltar para a agência com o triplo do salário, apenas para perambular pelas salas e ser apontado a novatos e visitantes como o autor da frase, aquela.
- Você quer dizer....a frase?
- A frase.
Outra é começar de novo em outro ramo. Com uma banca de chuchu na feira, por exemplo. Ele não precisa conquistar mais nada, é o único homem realizado do século.
Mas por enquanto só olha para as paredes. De vez em quando diz baixinho:
- O Chivas Regal dos uísques...
Aí atira a cabeça para trás e dá uma gargalhada. Depois descruza as pernas e bebe mais um gole de champanha.
Verissimo, Luis Fernando, em Crônica Brasileira Contemporânea.
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