Afinal de contas, quando começa a crise mundial, o novo “crash”, anunciado e garantido, o tal crash nos mercados, a inflação mundial de alimentos, o caos, a recessão? Falam, falam e o capitalismo bombando... E se o crash, a grande crise vier, que será de nós?

A crise pode ser um “thriller” em nossas vidas. Como chamá-la? A pós-pós-modernidade? O pós-apocalipse? A “desglobalização”? A única coisa que não será “pós” é a burguesia. E, como dizem os chineses, (que podem ate deflagrar este novo crash), “toda crise tem o seu lado bom”. Um crash pode ser bom para nos iludir e dar a sensação de que a vida muda, que a história anda. Pode nos ensinar que não há sentido no progresso, nem “eterno retorno”, nem lógica; o mundo se move em pingue-pongue eterno e injusto. O crash (ou crise) mostrará que nada tem fim. Nem começo.
Pode nos acender brios e estimular a luta pela sobrevivência, em vez desta pasmaceira em que vivemos. A crise poderá desmoralizar a ópera bufa e trazer a tragédia real.
Para o Brasil, poderá ser o contato com caos mais explícito. Há anos que falamos nele sem saboreá-lo. Se bem que o caos é mais anglo-saxônico. O pântano é mais Brasil. Temos o pântano, o brejo, mais “saudades do matão” com sapos coaxando. A crise pode acabar com as ilusões do povo e estimular maior vigilância crítica. Uma bela crise mundial poderá acabar com o nosso delírio de “futuro” e nos trazer o doce, o essencial presente.
A crise ensinará que muito mais importante que estudar a miséria é estudar a “riqueza”. A miséria nasce de nosso tipo de “riqueza”. Nossa crise nasce nos intestinos das classes altas.
Uma crise mundial nos ensinará que ninguém é “revolucionário” ou “herói” ou “companheiro” ou outros falsos caracteres; o que há são narcisistas, compulsivos, agressivos, paranóicos, invejosos, fracassados, com problemas sexuais. A crise ensina mais Freud do que Marx.
Um magnífico crash poderá nos revelar muitos tipos humanos. No desespero do drama, veremos as galerias de personas, de máscaras, de bonecos de engonço, de mamulengos, teremos um “reality show” sobre o Brasil, teremos o desfile de caras e bocas retorcidas, de mãos trêmulas, de risos e choros constrangidos, as vossas sujas senhorias, veremos os alicerces do país apodrecendo, a lama debaixo das dignidades, nossos pés-de barro, os nós-na-tripa, veremos os apêndices supurados, os miasmas que nos envenenam aparecendo sob a barra da saia de juízes e desembargadores, as sujeiras escorrendo sob as frestas da lei. E tudo nos diplomará em ciência política. O crash é bom para o contato com o absurdo. Neste sentido o crash é filosófico. Ficaremos mais espiritualizados.
O crash vai apagar um pouco o sorriso dos colunáveis nas revistas. Vai provocar onda de suicídios milionários diante dos olhos calmos dos miseráveis vingados. Com menos importação de BMWs, vai melhorar o trânsito em São Paulo. Vai instalar humildade nas almas yuppies. Vai acabar com suspensórios floridos....
Num primeiro momento o horror. Depois, a paz inevitável, a calma da desgraça assumida. O crash trará súbita revivência de faquires. Vai mostrar que a voracidade consumista não é a única maneira de viver.
O crash é bom porque vai reviver a poesia, a arte. Será uma renascença. Haverá uma estética do crash. Os filmes americanos ficarão felizes e musicais como no tempo do crash de 29. Fred Astaire vai dançar com Ginger Rogers de novo. Vai acabar com os “Titanics”. O crash vai nos livrar dos grandes shows de rock, das bandas revoltadas, dos World Trade Centers, dos best-sellers, das supercervejarias, dos fashion weeks sem fim. Com a nova guerra fria entre russos e americanos, indianos e paquistaneses, Oriente e Ocidente usando Antrax contra Tomahawks, teremos a restauração da beleza da morte e não mais sua banalização pelos Van Dammes e Stallones.
Sem consumo, vai estimular o sexo... já que não teremos nada a fazer. Vai parir “babycrashers”, os filhos da crise. E também vai justificar broxadas: “minha filha... desculpe... é o crash”. Vai acabar com o grande movimento em aeroportos e diminuirá o número de barrigudos falando alto em celulares. O crash fecha Miami. Vai acabar com palavras como globalização, livre mercado, competitividade, qualidade total, neodarwinismo. O mundo terá um downsizing. Vai restaurar o amor ao simples, ao possível, ao carrinho de carretel, a pipa, o pião, em vez dos blue berries. O crash é retrô, delicioso. O crash vai nos trazer a sadia tristeza, vai nos tirar desta ansiedade cansativa e nos dar finalmente a repousante depressão.
Arnaldo Jabor
Nenhum comentário:
Postar um comentário